segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Geral sobre TT e mais algumas definições

O Tratamento Térmico das facas consiste, basicamente, em quatro fases, nem todas obrigatórias:

1- Recozimento (Annealing)
2- Normalização (Normalizing)
3- Têmpera (Quenching/Hardening)
4- Revenimento (Tempering)

Ao escrever essas notas, tenho em mente um aço-carbono padrão, como o 1070 ou 5160.

1- Recozimento: só uso em aços reciclados, como limas, discos de arado, facão, tesoura de tosquia ou de jardinagem, etc. NUNCA uso em aço virgem - o mesmo já vem recozido de fábrica;

Consiste em amolocer o aço, tirar a têmpera, para poder usinar a faca com facilidade. Para isso, aquecer o aço até a temperatura não-magnetica e resfriar lentamente. Eu aqueço e embrulho em manta cerâmica. Deixo no forno bem tampado até o dia seguinte. Algumas pessoas misturam areia com carvão moído (70% areia + 30% carvão) e deixam o aço lá, bem enterrado, até o dia seguinte;


ATENÇÃO: Se a faca (feita com aço temperado) foi usinada sem recozer, nem normalizar,  e foi sendo resfriada em água durante a usinagem, provavelmente ela não destemperou. Assim, não precisa temperar! Faça o teste da lima. Se der certo, é só acabar a peça!

2- Normalização: serve para tirar as tensões do aço e diminuir o tamanho dos grãos. Quanto mais fino o grão, melhor. Aqueço um pouco acima do ponto de desmagnetização e esfrio no ar, movendo a tenaz. Não coloque sobre superfícies frias, como outro metal, por exemplo. Só trabalho na faca quando o aço está suficientemente frio para ser tocado. Uso sempre com aço reciclado e, às vezes, com aço virgem quando faço facas forjadas (após bater nelas!);

3- Têmpera: Após usinar a faca, fazer todos os furos, etc. O objetivo é endurecer o aço. Basicamente, o processo é o seguinte: Antes da têmpera,o aço é formado de perlita (ferrite), uma forma de aço "natural", "virgem". Nessa forma, o aço é mole, fácil de limar, cortar e furar. Por isso mesmo, não pega fio. O ideal é saber qual o aço que estamos usando e obter o tratamento térmico padrão para ela na internet ou livros. Caso não saiba, use o tratamento padrão descrito aqui.

- Aquecer o aço na forja até a temperatura em que ele desmagnetiza. Teste com um ímã forte (de alto-falante grande, por exemplo). O aço deve estar com a mesma cor por inteiro. Nesse momento, ele atingiu a FAIXA CRÍTICA, passando pelo PONTO DE DECALESCÊNCIA e o ferrite virou AUSTENITA;

- Se deixar resfriar normalmente, o aço irá passar pelo PONTO DE RECALESCÊNCIA e voltará a ser ferrite mole. Em vez disso, vamos resfriar bruscamente o aço;

- Pegar a faca e colocar no óleo pré-aquecido a 60-70ºC. Se o tipo de aço permitir (W2, por exemplo) pode resfriar em água. Mergulhar rapidamente a faca inteira, na vertical (cuidado com a fumaça);

- Faça movimentos pra frente e pra traz (como se fosse cortar). Isso impede a formação de uma camada de gás entre o óleo e o aço, o que atrapalharia o resfriamento e, consequentemente, a têmpera;

- Quando a faca tiver esfriado ao toque, limpe o óleo com papel toalha ou um pano e coloque no forno elétrico para revenir.

O resfriamento rápido transforma a AUSTENITA em MARTENSITA. A faca fica muito dura, mas muito quebradiça. É necessário "relaxar" a faca, diminuindo a dureza para ganhar elasticidade e tenacidade. É a hora do Revenimento.

4- Revenimento: Consiste em diminuir a dureza excessiva da têmpera, para obter tenacidade e elasticidade. Sem isso, a faca quebra ao menor esforço. Fica como vidro!

- Coloque a 200ºC por 1 hora e deixe esfriar dentro do forno. Alguns aços pedem dois ciclos de 200ºC, de uma hora cada (5160, por exemplo). Nesse caso, coloque 1 hora a 200ºC, desligue o forno,
deixe esfriar naturalmente e repita o processo.

TESTE DA LIMA: Passe uma lima na faca revenida, no fio, num ângulo de 30º. A lima deve escorregar sem arrancar material. Se arrancou material (limou) a têmpera não funcionou! Se a lima "pegou" apenas em alguns lugares e escorregou em outros, a têmpera foi incompleta. Não funcionou!

Existe uma tabela (em PDF) bastante completa em www.favorit.com.br com o tratamento térmico de vários aços, inclusive inox.


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Sobre o Fórum de Cutelaria Artesanal - FCA

Hoje o link da sorte é o do FCA - Fórum de Cutelaria Artesanal. O maior fórum do assunto no Brasil e, provavelmente, da América Latina. A seção voltada aos iniciantes é aberta ao público em geral - é pra lá que vai o link. De vez em quando, eles abrem espaço para novos membros. Você pode tentar a sua sorte! Mas atenção: o FCA é um lugar de gente séria, a maioria antiga na área e até bem famosa nas redes sociais. Seja educado e pesquise antes de perguntar. Boa caçada!

http://www.cutelariaartesanal.com.br/forum/index.php?board=112.0

Alguns assuntos abordados:

- O básico em ferramentas para o iniciante;
- Confecção de cabos;
- Começando na Cutelaria Artesanal;
- Básico de Tratamentos Térmicos

E muito, mas muito mais. Leia, pratique, melhore!

Aproveitando: Nos dias 06 e 07 de agosto de 2016, acontecerá a V Feira Anual de Cutelaria Artesanal de Sorocaba - F.A.C.A.S. Veja a programação nesse link do Facebook: https://www.facebook.com/www.facas/?fref=ts
Ou aqui, no Blogspot: 5facas.blogspot.com.br

TT do aço inox 420

Quase todo cuteleiro sonha em ter acesso ao famoso aço inox 440c para fazer facas. O fato é, que o 440c é bem fraquinho! Ele não atinge um alto grau de dureza. Ficou famoso por causa das facas comerciais do século passado. Hoje, no primeiro mundo, o xodó é o aço inox 154CM, fabricado pela Crucible, nos EUA. Por aqui, em termos de inox, o mais comum é o 420, usado em facas de cozinha e alguns itens de cirurgia. Não é grande coisa, atinge 52, 54 HRC no máximo, mas é fácil de achar. Eu fiz uma batelada de testes nesse aço para definir o melhor TT (Tratamento Térmico) possível. Segue o procedimento para quem quiser fabricar alguns canivetes e facas de culinária, exceto cutelos para corte de ossos - não recomendo nesse caso!


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Algumas definições básicas

Para podermos conversar, precisamos de uma linguagem em comum, onde os termos usados sejam claros, sem margem a interpretações - "achismos". Aos poucos, vamos construindo um dicionário que facilita a troca de ideias. Só alguns termos de cada vez, ok? Nada maçante :D

Em cutelaria, alguns atributos do aço e da faca estão sempre em evidência e todos querem mostrar esses atributos, mas, o que eles significam? Termos como dureza e tenacidade precisam significar a mesma coisa para todos. Vamos lá?

Dureza (Hardness) - Refere-se à capacidade de resistir a penetração. Pode ser percebida facilmente ao atritar um material no outro. O material mais duro irá riscar o mais macio. O método científico consiste em usar um aparelho chamado durômetro, sendo o da marca Rockwell o mais conhecido, para testar o material. Em metalurgia, o aparelho usa uma escala chamada Rockwell C, onde uma ponta de diamante é pressionada sobre o metal, medindo a penetração. Essa escala vai de 20 a 68. Note que ela é relativa a uma amostra padrão fornecida pelo fabricante. Uma faca comum costuma ter dureza entre 59 HRC e 64 HRC, mas nada impede que seja menor ou maior. 

Tenacidade (Toughness) - É a habilidade do aço de resistir à ruptura, à quebra. Tenacidade é uma medida de quantidade de energia que um material pode absorver antes de fraturar. A tenacidade é conseguida ao custo de menor dureza. Não se pode ter o máximo de ambas numa
faca. É sempre um ato de compromisso.

Resistência ao desgaste (wear resistance) - Esta propriedade é a que dá às facas seu poder de retenção do fio. É o poder de suportar a abrasão.

Pronto, acabou! Por enquanto. Sempre que possível, irei mostrar os termos equivalentes em inglês, para ajudar quem procura referências em outras línguas.

Mais um blog de cutelaria?

Sim e não.
Sim, mais um blog de cutelaria, com fotos de facas, bainhas e equipamentos.
Não, pois o objetivo maior é transferir conhecimento. Indicar outros blogs com conteúdo. Ensinar alguma coisa, ao invés de vender alguma coisa.
Metalurgia básica, tratamento térmico, aços, fornecedores de aço, couro, ferramentas. Dicas e truques.
Enfim, coisas da vida real, que os cuteleiros realmente fazem em suas oficinas. Toda a poeira, limalha, suor e sangue da batalha diária de quem "mexe com ferro", o sujeito comum que se esforça pra fazer uma faca de qualidade.
Esse é um blog sem pretensões artísticas, sem belas fotos cheias de filtros, sem idolatria por este ou aquele personagem. Sem ego. Pé no chão.

Aproveite.

Já dou a primeira dica: siga o Berardo Facas Custom e seu curso "Uma faca do início ao fim" no link
http://berardofacascustom.blogspot.com.br/

Muito bom!